Trabalho e prática de exercícios físicos:
o caso de músicos de orquestra
Introdução
A prática profissional dos músicos é permeada por demandas que podem conduzir ao adoecimento e conseqüentemente à interrupção de suas carreiras. O contexto produtivo em que estão inseridos com altas exigências de produtividade e de cognição (disciplina, memorização, concentração, raciocínio, percepção, criatividade, rápidas tomadas de decisões, musicalidade, além da expressão corporal), aos trabalhos psicomotores complexos, à discriminação auditiva apurada, a força e postura corporal e aos movimentos repetitivos se constitui em fatores de risco para o adoecimento (COSTA e ABRAHÃO, 2002; PETRUS, 2004; TEIXEIRA et al., 2009).
Blum e Ahlers (1994) e Norris (1997) apontam algumas problemáticas da profissão que predispõem ao adoecimento, como o tempo excessivo de dedicação ao instrumento, falta de condicionamento físico, hábitos incorretos na prática do instrumento (não realização de alongamentos e aquecimentos, as posturas adotadas), questões técnicas do instrumento (realização de força excessiva), a troca do instrumento e seu tamanho, as condições ambientais (como quantidade insuficiente de iluminamento, a temperatura), as características do mobiliário (uso de cadeiras que não contemplam as diferenças individuais), as técnicas de compensação e condições corporais dos músicos.
Mesmo que existam possibilidades de ajuste dos postos de trabalho, no que tange as questões das posturas corporais adotadas para a prática frente ao instrumento e seus acessórios (STEINMETZ, SEIDEL e NIEMIER, 2008), questões como a força aplicada no instrumento, os movimentos considerados repetitivos e o tempo em que se é dedicado para as práticas são questões a serem ainda investigadas (TEIXEIRA, MERINO e LOPES, 2008). Além das estratégias utilizadas para as melhorias das condições de trabalho, como a reeducação postural nos postos de trabalho, a modificação e/ou adaptação dos movimentos realizados, a definição de novos layouts, outras investigações junto aos trabalhadores devem ser realizadas.
Além das intervenções ergonômicas, há também possibilidade de realizar estratégias focadas não apenas na otimização das atividades, mas também para a prevenção, principalmente de ordem física, visando influenciar os acometimentos destes profissionais. Neste sentido, a prática de exercícios físicos está sendo indicada por diversos autores e vem a corroborar com o desempenho durante as horas trabalhadas (MARTINS, 2005; MARTINS e DUARTE, 2006; OLIVEIRA, 2007; RESENDE et al., 2007; SANTOS, et al., 2007).
A literatura apresenta lacunas em relação aos hábitos físicos dos músicos, práticas de exercícios físicos e motivação para a prática que podem servir de suporte a intervenções ergonômicas e aos próprios profissionais da educação física. Logo, este estudo buscou identificar as práticas físicas desenvolvidas por músicos de corda, dos instrumentos violino e viola, de uma orquestra da Região Sul do Brasil, e os motivos que levam a estas práticas, bem como investigar o entendimento dos músicos com a relação exercício físico e prática instrumental.
Procedimentos metodológicos
Foram avaliados 11 músicos de corda de uma orquestra da Região Sul do Brasil. Esta orquestra, no momento da coleta, constava com 29 músicos divididos em três diferentes naipes de instrumentos, sendo cordas, madeiras e metais, assim como ilustra a Figura 1.
Figura 1. Naipe dos instrumentos da orquestra avaliada
Para efeito de análise foram investigados os instrumentistas de cordas (sendo sete violinistas e quatro violistas) que aceitaram em participar do estudo. Dentre os instrumentistas da orquestra, os músicos de violino e viola foram escolhidos para a presente investigação pelos dados atuais que apontam como sendo estes os mais acometidos quando comparados a outros instrumentistas (BARTON et al., 2008; TEIXEIRA, MERINO e LOPES, 2008).
Para a identificação dos exercícios físicos realizados pelos músicos, dos motivos em se desenvolver algum tipo de exercício e se estes são assistidos por profissional da área, bem como o entendimento das relações entre prática de exercício físico e prática instrumental foram feitos questionamentos com perguntas abertas. Além disso, para verificação dos procedimentos realizados antes e após as atividades de trabalho os músicos foram observados pelos pesquisadores durante 25 horas (compreendidas em oito ensaios com a orquestra e seis ensaios com o naipe) e durante oito horas (nas apresentações com a orquestra que totalizaram seis apresentações). Para a análise dos dados foi utilizado percentual das respostas e das classificações.
Resultados e discussão
A maioria dos instrumentistas começa seus estudos durante a infância enquanto o corpo está em desenvolvimento e crescimento. Com instrumentos que são tocados assimetricamente o desequilíbrio musculoesquelético tende a aumentar com as práticas, o que pode causar problemas para os músicos em sua vida futura se não trabalhada (BIRD, 1992). No caso dos instrumentistas de orquestra, esta assimetria durante o tocar é observada, o que leva a necessidade de procedimentos que visem a manutenção de um estilo saudável e preventivo desde a inicialização. Quando profissionalizados, as atenções devem ser voltadas não só para a vida fora do trabalho, mas também para os benefícios que as atividades desenvolvidas dentro do trabalho podem trazer, tanto para a prática do instrumento como para o dia-a-dia.
A execução de um instrumento musical exige do músico um grande esforço físico e mental (ARAÚJO e CÁRDIA, 2005) que parece ser comum da profissão (LEDERMAN, 2003). Mesmo considerado como inerente da atividade instrumental, os sintomas musculoesqueléticos são, muitas vezes, responsáveis pelos afastamentos relacionados ao trabalho. O fato de se estar impedido fisicamente de realizar as atividades musicais interfere não só nas questões trabalhistas, mas também nas questões da vida diária. Portanto, alguns procedimentos podem ser pensados para a compensação e ajuste das atividades realizadas durante as horas trabalhadas. Um destes procedimentos seria a prática de exercícios físicos como forma a auxiliar o bem-estar físico e mental, proporcionando melhores condições musculoesqueléticas para a realização do tocar. Além das modificações com os acessórios dos instrumentos, posturas, tempos em que se dedica a prática instrumental, Toledo et al. (2004) indica que exercícios terapêuticos poderiam ser estratégias para os problemas osteomusculares.
A prática de atividades físicas é pontada por alguns autores como um fator comprovadamente importante para uma melhor qualidade de vida (PALMA, 2000; SERGIO, 2001; NAHAS, 2003; PIERON, 2004). Por atividades físicas entende-se todo movimento corporal, produzido pela musculatura esquelética, que resulta em gasto energético (CASPERSEN et al., 1985), como por exemplo, os deslocamentos, os exercícios físicos, as atividades do trabalho, etc., apresentando assim, dimensões tanto biológicas como culturais (NAHAS, 2003).
Com relação às práticas físicas os músicos revelaram realizar as seguintes modalidades: basquete, bicicleta, caminhada, atletismo, judô e/ou musculação. A modalidade de musculação parece ser a mais importante quando se relaciona às questões de fortalecimento muscular, principalmente para os músculos estabilizadores do tronco e membros superiores, uma vez que, para a realização das práticas instrumentais estas regiões são exigidas prioritariamente. De forma geral, estes exercícios seriam benéficos para que a musculatura, ao ter maior resistência e força, consiga desenvolver a prática com o instrumento de maneira que se necessite menos esforço e por um maior tempo.
As atividades de caminhada e ciclismo são eficientes no que tange o treinamento do sistema cardiorrespiratório, fundamental para aqueles músicos que realizam suas atividades com instrumentos de madeiras e metais. Porém, no caso das cordas, a necessidade está realmente relacionada ao fortalecimento da musculatura. Relacionando as práticas em atletismo e judô é conveniente lembrar que estas atividades devem ser realizadas com cuidado, principalmente para manter a integridade física. Toledo et al. (2004) indicam que lesões traumáticas e lesões não relacionados a tocar o instrumento pode ser mais agressiva, portanto atividades que não proporcionem controle e segurança devem ser evitadas.
Mesmo que exista na literatura relatos de melhoras principalmente da condição física no ambiente de trabalho com a prática de exercícios físicos (MARTINS e DUARTE, 2006; MARTINS, 2005; OLIVEIRA, 2007; RESENDE et al., 2007; SANTOS, et al, 2007), parece que os músicos formam uma categoria profissional resistente para a prática de exercícios físicos fora das atividades ocupacionais. No presente estudo foi observado, por meio das respostas do questionário, que 63,64% dos músicos praticam algum tipo de exercício físico (basquete, bicicleta, caminhada, atletismo, judô e/ou musculação), sendo que 42,86% destes realizam atividades sem acompanhamento ou prescrição de um profissional da educação física.
Para Pieron (2004) a participação pouco freqüente não permite cumprir as recomendações necessárias para promover os efeitos benéficos relacionados à saúde. Além disso, realização de exercícios sem as devidas prescrições e controles de treinamento pode ser prejudicial à saúde. No caso da freqüência semanal, foram observadas práticas em 3,00 ± 1,13 dias na semana. O estudo de Mota, Pereira e Teixeira (2006) que avaliou 605 militares mostrou que 50% destes não possuem uma freqüência semanal definida para a prática esportiva. Estes achados vão ao encontro de observações feitas por alguns autores como Martinez-Gonzalez et al. (1999) e Troiano et al. (2001) que revelam que em alguns países, apesar da relevância da prática de exercícios físicos para a manutenção da saúde e qualidade de vida, existe hoje uma diminuição em sua realização.
Para Pieron (2004) a periodicidade deve ser de no mínimo três vezes na semana. Nos músicos avaliados, a freqüência semanal variou de duas a cinco vezes, sendo que a maior porcentagem dos músicos realiza suas atividades três vezes na semana, estando na freqüência mínima indicada pelo autor, assim como ilustra a Tabela 1. Porém, se esta não é assistida por profissional da área os reais benefícios e controle do treinamento que conduz a atividade e dosa os exercícios, fica prejudicada.
Tabela 1. Freqüência semanal de prática de exercícios físicos dos músicos
Freqüência semanal | Músicos (%) |
2 vezes | 14,29 |
3 vezes | 42,86 |
4 vezes | 14,29 |
5 vezes | 28,57 |
Com relação ao tempo de práticas 57,14% dos músicos afirmam que dedicam seus treinamentos há aproximadamente uma hora e 42,86% há aproximadamente duas horas. Pieron (2004) relaciona atividades de pelo menos uma hora. Porém, como identificado que as mesmas são realizadas sem prescrição um fato interessante de se analisar é como estas vêem sendo desenvolvidas e se as mesmas estão alcançando os objetivos propostos.
Estas considerações são importantes e tornam-se relevantes para a realização de estudos mais aprofundados, uma vez que, a inatividade física é considerada um fator de risco, por exemplo, para as doenças coronarianas. Berlin e Colditz (1990) e Powell et al. (1987) demonstraram que os sedentários em comparação aos indivíduos regular e moderadamente ativos, apresentam aproximadamente o dobro de chances de sofrerem um ataque cardíaco, independente de outros fatores de risco. Portanto, conhecer as atividades que os indivíduos realizam no seu tempo livre, de forma opcional, é importante para desenvolver programas de intervenção que vão ao encontro das potencialidades dos indivíduos.
Os achados no grupo de músicos corroboram com os resultados de Salles-Costa et al. (2003) que avaliando 3.740 funcionários de uma universidade do Rio de Janeiro de ambos os gêneros, sendo 54,8% do gênero feminino, verificaram que a inatividade física no tempo destinado ao lazer foi altamente prevalente, sendo maior entre as mulheres, uma vez que apenas 40,8% das entrevistadas referiram a prática de algum exercícios físicos, enquanto que entre os homens, este porcentual atingiu cerca de 52%.
Os motivos relatados pelos músicos para a prática de exercícios físicos foram: bem-estar, qualidade de vida, saúde, relaxamento e prazer. Neste contexto, assim como afirmam Mota, Pereira e Teixeira (2006) parece que cada vez mais torna-se universal o entendimento de que saúde não se resume apenas a ausência de doenças. Assim, nota-se que a busca pelas práticas relaciona também a manutenção de um estilo de vida ativo que proporcione bem-estar, relaxamento e prazer.
A vida das pessoas é diretamente influenciada pelas questões do ambiente de trabalho. No caso dos músicos, em nenhum momento foi mencionado que a prática de exercícios físicos fosse realizada com intuito de proporcionar melhora nas condições ocupacionais, o que mostra um desconhecimento por parte destes profissionais com relação aos reais benefícios físicos. Estas questões podem estar influenciando a aderência as práticas, uma vez que o trabalho é um importante momento na vida das pessoas e muitos indivíduos vivem em função de suas atividades.
Heming (2004) relata dados interessantes relacionados aos motivos da pouca atenção voltada para o grupo de instrumentistas. Segundo o autor, os músicos fazem o que acham que devem fazer e deixam seus problemas de lado, o que leva a poucas preocupações para com a reabilitação e prevenção de doenças ocupacionais por parte dos pesquisadores. Além disso, na opinião de 45,45% dos músicos avaliados pelo presente estudo, a prática dos exercícios físicos ajuda na performance musical, porém, 54,55% acredita que a mesma não faz diferença.
Estas questões tornam-se agravadas pelos relatos de dificuldades de consciência corporal em músicos o que, de forma geral, dificulta a cinestesia corporal e não interfere para a diminuição de dores e controle da força muscular para o trabalho com o instrumento, sendo que estas questões poderiam ser dosadas quando se tem uma boa consciência corporal (STEINMETZ, SEIDEL e NIEMIER, 2008).
Durante a jornada de trabalho, foi observado que apenas 9,09% dos músicos realizam alongamentos antes e depois dos ensaios (coletivos, de naipe) e dos estudos individuais. Segundo Toledo et al. (2004) as anormalidades posturais podem ser causadas pela falta de mobilidade encontrada nos músicos.
Deve-se salientar que aquecimentos articulares também seriam importantes estratégias a serem executadas, pois preparam a musculatura e as articulações para a prática, além disso, o aquecimento muscular é responsável por questões como o aumento da atividade muscular, aumento da tensão isométrica máxima, aumento na velocidade de encurtamento, aumento da tensão, da potência e da resistência muscular (HALL, 2005), o que beneficia os movimentos a serem realizados com o instrumento musical. Segundo Ray e Marques (2005) a preparação dos músicos para estudo ou apresentação não necessita ser realizada de forma que o metabolismo seja elevado como em certas modalidades.
Considerações finais
De acordo com os resultados obtidos observou-se que a maioria dos músicos (63,64%) realiza algum tipo de exercício físico como basquete, bicicleta, caminhada, atletismo, judô e/ou musculação. Os principais fatores motivacionais apontados pelos músicos para as práticas física foram a busca pelo bem-estar, melhoria da qualidade de vida e saúde, relaxamento e prazer. Destaca-se também que as atividades físicas desenvolvidas pelos profissionais não são realizadas de forma estruturada e com acompanhamento profissional e sim como forma de lazer e descontração.
Na percepção da maior parte dos músicos as práticas físicas não estão associadas a um potencial efeito protetor para doenças ocupacionais e para uma melhoria da capacidade para o trabalho. Esse resultado é evidenciado pelo pequeno percentual de músicos que apresentaram o hábito de aquecimento e alongamento musculares antes e depois dos ensaios. Neste contexto, intervenções ergonômicas e de educação em saúde são importantes estratégias a serem realizadas junto a estes profissionais.
Fonte:http://www.efdeportes.com
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