Compositor: A. Dvorák (1841 – 1904)
Ninguém escapa de uma paixão fulminante, mas muitos tentam escondê-la. Beethoven teve sua Amada Imortal; Janacek, sessentão, curtiu uma paixão pela quase adolescente Kamila Stösslová; Alban Berg criptografou mensagens para sua amante; e Antonín Dvorák fez o mesmo com um amor de juventude, uma mulher muito mais nova, Josefina Kounicová-Cermáková. Pior, ela era sua cunhada.
O romance aconteceu em 1865 e naquela época Dvorák compôs o ciclo de canções “Os Ciprestes”. Tempos depois, casou-se com Anna, irmã mais nova de Josefina. Por isso, Josefina sempre estava por perto. Ela adoeceu em 1894 e morreu no ano seguinte. O desenlace ocorreu nos doze meses que separaram as férias de verão do compositor na Boêmia de julho a outubro (ele estava radicado nos Estados Unidos). Uma foto de família do verão de 1894 mostra Josefina olhando apaixonadamente para Dvorák, que fita a câmera, enquanto Anna, sua mulher, exibe uma cara fechada. Um triângulo amoroso clássico.
Quando retomou suas atividades profissionais nos EUA, o concerto estava praticamente pronto. Continha um adagio central que era quase um memorial musical de sua paixão. Mas, em maio seguinte, ao saber da morte de Josefina, ele insistiu em reescrever o último movimento, que funciona como uma comovente e dolorosa marcha fúnebre. Ali Dvorák introduziu uma melodia de “Deixe-me Só”, uma das Quatro Canções opus 82. O Adagio ma non troppo, aliás, também embute um fragmento da mesma canção (ele sabia que Josefina tinha especial preferência por esta canção).
Detalhes desse tipo ajudam a entender melhor o significado geral desta obra-prima que provocou em Brahms, ídolo e mestre permanente de Dvorák, o seguinte comentário: “Se eu soubesse que é possível escrever um concerto para violoncelo como este, teria me aventurado a compor um também”. Mas, por outro lado, ajudaram igualmente a transformá-lo numa das obras mais conhecidas do compositor, em seu período norte-americano, ao lado da “Sinfonia Novo Mundo” e do “Quarteto de Cordas ‘Americano’”.
O primeiro e conhecido tema do Allegro inicial, entoado pela clarineta, relembra o tema do segundo movimento da Quarta Sinfonia de Brahms. O segundo tema é introduzido pela trompa, pianíssimo; é quando entra o violoncelo solista retomando o primeiro tema seguido de longos acordes arpejados. É também muito rica a interação entre o solista e os sopros, que relembra Tchaikovsky.
O movimento central é um doloroso Adagio ma non troppo, núcleo da obra, respira um misto de paixão e resignação. Por Josefina. O Allegro moderato final começa com um ritmo de marcha que Beckerman, estudioso de Dvorák, associa às grandes marchas fúnebres do século 19, do Beethoven da Eroica ao Chopin em sua sonata em si bemol menor, opus 35. É interessante observar que na parte final do movimento, quando a coda se inicia, Dvorák retoma por meio de duas citações o tema do Allegro inicial da clarineta. E insere outro trecho da canção “Deixe-me Só”, a preferida de Josefina, na altura do verso “Se a minha alma pudesse”.
Diogo Costa Tavares
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