sábado, 27 de outubro de 2012

O ALONGAMENTO MUSCULAR NO COTIDIANO DO PERFORMER MUSICAL: ESTUDOS, CONCEITOS E APLICAÇÕES1




Resumo: Observa-se nos últimos anos o crescimento do número de trabalhos abrangendo o funcionamento do corpo na atividade do performer musical no Brasil. Com eles, cresce também questões como: o que é alongamento; pra que serve; como o alongamento pode contribuir para otimizar a atuação do corpo na performance musical; quando o alongamento prejudica a execução musical; ou ainda, se a seqüência de exercícios afeta seus resultados. Responder estas questões é o objetivo principal deste trabalho que apresenta estudos brasileiros relacionados ao uso do corpo na performance musical, os conceitos de alongamento muscular e aquecimento muscular e uma proposta de aquecimento e alongamento muscular para o cotidiano do performer musical.
Palavras-chave: Alongamento; Aquecimento; Performance musical; Corpo humano.
Muscular Stretching in the routine of Musical Performers: studies, concepts and aplication
Abstract: During the last years we can observe an increasing number of Brazilian texts which approach the use of the body musical performance. These texts have raised many new questions, such as: what is stretching and what it its role in performance, how can it contribute to optimize the use of the performer's body, when does it hinder musical execution, or if a sequence of exercises can actually have an effect on results. Answering these questions is the main goal of this paper, which presents Brazilian studies related to the use of the body in musical performance, the concepts of warm-up and stretching, and a proposal for muscular warm-up and stretching for the musician's daily routine.
Keywords: Stretching; Warm-up; Musical performance; Human body.

Introdução



Trabalhos recentemente publicados em anais de congressos científicos e periódicos nacionais apontam o crescimento de pesquisas abrangendo o funcionamento do corpo na atividade do performer musical no Brasil. Tais pesquisas têm sido desenvolvidas por músicos, em associação com profissionais da área de anato-fisiologia, biomecânica do movimento humano e medicina esportiva em projetos integrados. Os resultados, apesar de já serem significativos, ainda não estão amplamente divulgados entre estudantes e profissionais da performance musical.
O objetivo deste trabalho é conceituar alongamento e diferenciálo de aquecimento na atividade do performer musical, bem como mostrar como a seqüência proposta pela treinadora Xandra Andreola pode contribuir para otimizar a atuação do corpo na performance musical. Começamos por apresentar brevemente estudos brasileiros relacionados ao uso do corpo na performance. Em seguida definimos alongamento e o diferenciamos de aquecimento, e por fim, apresentamos a seqüência de Andreola como exemplo de aplicação de alongamentos no cotidiano do performer musical.
Limitamos-nos a abordar estudos brasileiros por serem estes mais acessíveis a nossos estudantes, os quais nos inspiraram a realizar este trabalho com suas dúvidas e dedicação para resolver problemas relacionados ao corpo no seu cotidiano. O pesquisador com conhecimento da língua inglesa pode fazer um estudo mais aprofundado sobre ergometria e aplicações da medicina desportiva na performance musical, considerando pesquisas desenvolvidas na Europa e América do Norte. Por isso, ao final deste, incluímos uma lista de trabalhos relacionados como leitura complementar. Não apresentamos revisão da literatura por que esta nos levaria a um trabalho extenso, saindo da proposta de um artigo. Entretanto, indicamos, ao final do texto, fontes para consulta a revisões de literatura no texto e nos sites recomendados (em português) e nas leituras recomendadas (em inglês).

1. Estudos brasileiros relacionados ao uso do corpo na performance musical

A interação entre profissionais da área de saúde com a música é bastante difundida em estudos aplicados de psicologia e neurologia. Entretanto, pesquisas relacionadas ao funcionamento do corpo em atividades musicais, mais especificamente da performance musical, ainda são raros. Profissionais de ambas as áreas, Música e Saúde recentem-se da pouca integração entre suas produções (Mcardle, Katch, e Katch, 1974; Ray, 2004; Cintra e Vieira, 2004). Os músicos, por sua vez, cada vez maisprocuram soluções, para minimizar problemas oriundos do uso inadequado do corpo no exercício de sua profissão, já que estes respondem por severas interrupções e/ou limitações de carreiras promissoras no Brasil (Andrade e Fonseca, 2000). Tal constatação vem sendo confirmada pelas comunicações de pesquisas resultantes de projetos envolvendo as áreas em questão, em eventos científicos, nos últimos quatro anos.

1.1 Laboratórios de biomecânica e estudos brasileiros

No Brasil há vários centros de estudos sobre biomecânica humana. Entretanto, os laboratórios da UDESC e da USP são os maiores e com mais recursos disponíveis. Estes laboratórios mantém páginas na internet, onde divulgam periodicamente resultados parciais de suas pesquisas.
Iniciativas de pesquisadores de instituições públicas e privadas têm reunido esforços no sentido de desenvolver pesquisas de base, que fundamentem pesquisas envolvendo o fazer musical e o corpo humando. Os projetos brasileiros que mais se destacam nesta proposta estão sendo mantidos pelos seguintes grupos: Fundação Ageu Magalhães (Fio Cruz-PE), GEPM (Escola de Música de Brasília), EXERSER (iniciativa privada, Belo Horizonte) e GEDAM (Universidade Federal de Minas Gerais) e GEPEM – Universidade Federal de Goiás. Os produtos mais recentes destes grupos podem ser acessados pelos sites das instituições as quais estão vinculados. (vide relação de sites no final deste texto)

1.2 Fontes para consulta a revisões de literatura

Carvalho, Broseghini e Ray (2004) organizaram uma coleção de medidas preventivas contra doenças provenientes de distúrbios anatofisiológicos, como resultado de uma análise da literatura estudadadurante a vigência de um projeto de iniciação científica. As medidas estão sendo ampliadas com base em trabalhos recentes e deverão ser publicados em breve, em periódicos de música. Cintra e Barrenechea (2004) reuniram material sobre Lesão por Esforço Repetido (LER) e acrescentaram recomendações preventivas para pianistas. Gerling e Souza (2000) fizeram uma das revisões mais extensas publicada em língua portuguesa, sobre estudos de performance musical na América do Norte, Europa e Austrália. Grande parte dos trabalhos por elas revistos, é relacionada ao funcionamento do corpo, apesar de nem sempre abordarem questões anatofisiológicas.

2. Os conceitos de alongamento muscular e aquecimento muscular

No meio musical é comum que se use o termo “aquecimento” referindo-se a exercícios de técnica organizados em grau de dificuldade crescente. Tais exercícios têm o objetivo de preparar a musculatura e a concentração do performer para suas atividades rotineiras, qual sejam, estudar isoladamente, ensaiar com seu grupo, apresentar-se em público ou para seu professor (aula). Quantas vezes ouvimos recomendações para que sempre façamos um aquecimento antes de uma sessão de estudo? Poucos músicos se dão conta que estes exercícios não “aquecem” a musculatura, pelo contrário, eles apenas a colocam em uso com certa moderação, porém, sem preparo.
A fisiologia médica define aquecimento muscular como uma atividade que aumenta a temperatura interna dos músculos, preparando-os para um trabalho muscular. Durante o aquecimento muscular há num aumento de fluxo sangüíneo corporal, do metabolismo (batimento cardíaco) e de estímulos de contração. (Goes, 2005). O alongamento é definido por Vaz (2005) como “uma forma terapêutica elaborada para aumentar o comprimento de estruturas moles de tecidos, os chamados músculos encurtados, e desse modo permitir a extensão da amplitude do movimento... ajudam a distribuir o sangue de maneira mais uniforme no tecido muscular.”
(p. 1)
O aquecimento pode ser uma seqüência bastante simples de respiração combinada com movimentos amplos dos membros superiores, inferiores e pescoço, o que pode acontecer simultaneamente ao alongamento. Isto porque, no caso de preparação do performer musical, para estudo ou apresentação, não há necessidade de se elevar o número de batimentos cardíacos tanto quanto altos em certas atividades físicas. (Andreola, 2005) Basta que a respiração seja sempre combinada com os exercícios de alongamento, de preferência em uma seqüência planejada, a exemplo da que apresentamos na parte 4 deste trabalho. Talvez o ganho mais relevante que o músico pode ter, ao fazer do alongamento parte de seu estudo diário, seja o aumento da flexibilidade de seus movimentos.

Observamos que instrumentistas precisam trabalhar o fortalecimento de toda a musculatura corporal a fim de adquirirem mais resistência para longos períodos de atividade prática com seus instrumentos. Força também é necessária. É ela que garante a musculatura à condição de suportar os movimentos do corpo. Entretanto, duas coisas não podem ser menosprezadas: nenhum trabalho corporal deve ser feito sem orientação, e
    1. o começo de qualquer trabalho de resistência e força começa sempre pelo alongamento.
    2. Especialistas em fisiologia deixam clara a importância da cautela regularidade na execução dos alongamentos. Outro fator indispensável é que não se deve pensar em alongar por muito tempo, porém com muita freqüência. Por exemplo, no caso de uma sessão de estudos de 90 minutos,
  1. o instrumentista terá mais resultados alongando-se em 3 etapas (antes, durante e após o período em questão) do que em uma sessão única. A doutora Elisabete Almeida, editora do portal da Lincx - Serviços de Saúde, resume os princípios do alongamento em seis itens:
“1. O primeiro princípio de segurança é sempre alongar até uma amplitude confortável, ou seja, nunca alongar até sentir dor. Embora seja necessário reeducar os músculos, o desconforto não deve fazer parte do alongamento.
  1. O segundo princípio para praticar alongamento com segurança é relaxar. É quase impossível fazer um alongamento eficaz quando você está tenso, e uma sessão de alongamento com o indivíduo estressado certamente aumenta o risco de lesões.
  2. O terceiro princípio do alongamento é exercitar-se primeiro. Alongar um músculo frio pode atrapalhar o rendimento. Com o exercício, a temperatura corporal se eleva e os músculos tornam-se mais extensíveis. [este princípio é mais aplicável à atividades físicas que em práticas musicais]
  3. A quarta recomendação é alongar lentamente. Movimentos rápidos e vigorosos desencadeiam o reflexo do estiramento, promovendo a contração muscular em vez do relaxamento. Certifique-se de movimentar-se devagar e suavemente, evitando movimentos bruscos.
  4. O quinto conselho é permanecer por 10 a 30 segundos na posição alongada. Apesar de não ser recomendável alongar até sentir dor, é importante manter cada posição alongada por tempo suficiente para os músculos realizarem as adaptações desejadas. Embora a posição

possa ser mantida por mais tempo, os especialistas afirmam que a maior parte dos benefícios são obtidos com um período de 10 a 30 segundos.
6. O sexto princípio é a regularidade do treinamento. Ao contrário dos exercícios de força e resistência, que exigem um grande esforço para mostrar resultados, o alongamento deve ser praticado sem esforço (relaxado). No entanto, é necessário exercitar-se regularmente...tente não encarar o alongamento como uma atividade extra que você fará se sobrar tempo, o que poderia comprometer os resultados.” (Almeida, 2005. on-line)
Ainda que a descrição detalhada de Almeida remeta o performer à idéia de que pode ser trabalhoso aquecer e alongar no seu cotidiano, na prática é tudo bem mais simples. A questão principal parece estar mesmo na decisão fundamental por adquirir um novo hábito, ou aprimorar um já existente.

4. Proposta de aquecimento e alongamento muscular no cotidiano do performer musical

Considerando-se que a musculatura do aparelho locomotor compreende cerca de 400 músculos (Weineck, 1990), não seria possível abordá-los neste artigo, nem tampouco tal empreitada está dentre nossos objetivos. Pretendemos, no entanto, mostrar onde se apresentam os músculos responsáveis pelas articulações globais (aquelas que nos permitem caminhar, andar, sentar e levantar), como aquecê-los e alongá-los. Para tal, apresentaremos uma seqüência de exercícios destinados ao alongamento daquelas articulações mais utilizadas no manuseio de instrumentos musicais, canto e regência (movimento do pescoço, movimento dos membros superiores e inferiores e movimento do tronco).
Como já afirmamos, o aquecimento e o alongamento muscular das principais articulações do corpo podem ser conseguidos simultaneamente através de movimentos amplos, lentos e coordenados com a respiração. Neste momento a concentração deve estar no relaxamento dos músculos. Na Figura 1 (ao lado) temos uma visão dos músculos superficiais do corpo. Nela podemos observar os principais músculos para os quais passaremos a sugerir aplicações de exercícios que serão apresentados na seqüência em que devem ser executados.

Figura 1: Mapa dos músculos do corpo (Site Saúde em Movimento, 2005).
A seguir, apresentamos uma seqüência de exercícios de alongamento preparada por Xandra Andreola com atenção focada nos instrumentistas. A Figura 2 (na página seguinte), mostra a seqüência da forma como temos aplicado com nossos alunos de música e que tem se revelado de grande ajuda. Apesar de ainda não haver um estudo aprofundado sobre a eficiência de alongamento em performers, temos recebido feedback positivo de vários alunos que optaram por incluir a seqüência abaixo em sua rotina de estudo.

A seqüência proposta tem o objetivo de liberar a cadeia muscular e as articulações de forma gradual, fazendo com que a musculatura a ser utilizada esteja preparada para o esforço a ser despendido. Andreola (2005) enfatiza a importância de se alongar de forma global toda a cadeia muscular e não apenas um grupo de músculos (pernas, braços, etc.). Importante ressaltar que músicos, particularmente instrumentistas de cordas, devem dar atenção especial ao alongamento da musculatura do ante-braço e do punho (Figura 3 abaixo), uma vez que estes performers foram apontados em pesquisas recentes entre aqueles que mais freqüentemente apresentam problemas de doenças musculares pelo uso inadequado do corpo (Andrade e Fonseca, 2000). Na verdade, as funções dos músculos do braço e da mão são fundamentais para as atividades diárias de qualquer pessoa, entretanto, a seqüência em que eles são propostas na seqüência acima ampliam os benefícios aos que manuseiam os membros superiores em movimentos rápidos e repetitivos (como é o caso da maioria dos instrumentistas).
Figura 3: Músculos responsáveis pela flexão e extensão do braço, antebraço e punho (Weineck, 1990).
Outro dado relevante é que os exercícios abaixo podem ser substituídos por outros que trabalhem a mesma musculatura, desde que a substituição seja feita mediante a consulta a um profissional da área. Há muitas possibilidades de se organizar uma seqüência de alongamento. A que propomos é apenas uma delas e visa atender à necessidade de instrumentistas que não têm tempo para longos períodos dedicados a atividade física, mas que disporiam de 5 minutos para uma sessão de alongamento que favoreça sua atividade diária. Importante também é que o alongamento seja feito antes e depois de cada sessão de atividade.

Conclusão

O presente trabalho apresentou uma breve visão de estudos sobre
o uso do corpo na performance musical. Apresentou também os conceitos de aquecimento e alongamento, bem como formas de colocá-los em prática no cotidiano da atividade do performer musical de forma saudável, através de uma seqüência de exercícios especialmente planejada com foco nos membros superiores do corpo, sem menosprezar a musculatura global.
As autoras incluíram uma bibliografia de referência em inglês e endereços de páginas da Internet para aqueles que desejarem se aprofundar no assunto. Espera-se que este trabalho inspire novos experimentos que venham a consolidar pesquisas em fase de desenvolvimento nos centros integrados existentes no Brasil.

Notas

O presente artigo foi apresentado no XV Congresso Nacional da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Música realizado no Rio de Janeiro em Julho de 2005, e está sendo publicado após revisões sugeridas pelos pareceristas de Música Hodie e com reflexo das discussões surgidas no congresso.
Sonia Ray (UFG)
soniaraybrasil@yahoo.com.br
Xandra Andreola (Núcleo Saúde)
xandraandreola@hotmail.com




quarta-feira, 10 de outubro de 2012

O tenor perdido: o violoncello piccolo de 4 cordas e seu repertório


O que faz um violoncelista (que tem uma queda por instrumentos antigos e um amor especial para a música dos séculos XVII e XVIII) quando, entrando num atelier de luteria para ver um arco, descobre por acaso lá num canto, mal conservado e quase abandonado dentro da poeira, um violoncelo pequeno e muito antigo? Ele o compra imediatamente para salvá-lo, mesmo sem saber exatamente o que ele é!
Foi o que eu fiz, quando fui visitar um luthier em São Paulo uns 13 anos atrás, lá em torno de 1997, recém-chegado no Brasil e já morando na grande cidade...
- "o que é isso?"
- "ah! nada, um instrumento de criança que não soa - não vale nada..."
- "quanto é?"
Um instrumento lindo, apesar dos vários remendos e reparos, pequeno e charmoso, obviamente muito antigo (final do séc.XVII?), bem barroco - meio torto, assimétrico e barrigudo (bombé) - talvez alemão?
Naturalmente, montei-o com cordas de tripa e cavalete barroco e comecei a tocá-lo; ele tinha pouco som mesmo, não conseguia projetar muito, parecia que não aguentava - especialmente a corda Dó grave...
Comecei a desconfiar de suas dimensões menores - "um violoncelo de criança...um 7/8" tinha falado o luthier (mas será que existia esse conceito naquela época? tudo indica que não...) - talvez um violoncello piccolo, originalmente com 5 cordas, como aquele que usamos para tocar a 6ª Suíte de Bach, e que havia sido modificado posteriormente?
Passei uns dois anos tocando basso continuo com ele, mas não dava para tocar solos...
Até o dia em que eu falei por telefone com meu querido amigo e colega, o violoncelista holandês Job ter Haar, sobre o repertório de alguns concertos agendados para meu grupo e o dele aqui em São Paulo: precisávamos de umas peças que poderiam juntar os dois trios no palco, numa formação um tanto exótica - um traverso, três violoncelos e dois teclados (cravo e órgão) - e achamos duas composições bonitas de Telemann, para traverso, viola da gamba, fagote e baixo contínuo; a parte da gamba, ainda que aguda, podia ser tocada num dos cellos, a parte do fagote facilmente no outro e o terceiro cello ia tocar continuo junto com os teclados... Pensando que a parte aguda da gamba não ia ficar tão natural num violoncelo normal e lembrando-se do meu instrumento pequeno e da minha vontade de eventualmente transformá-lo um dia num piccolo de 5 cordas, Job lançou a idéia: - "porque não experimenta montar o teu cellinho simplesmente uma quinta acima, como um piccolo com quatro cordas?" (tirando a corda Dó grave e colocando uma corda mi aguda...) - "...aparentemente existiam na época cellos ou piccolos assim..."; não sabíamos ainda muito sobre o assunto, nem sobre a polêmica e o mistério em torno desses instrumentos, mas decidi experimentar...
...e o milagre aconteceu! na hora que eu coloquei a corda mi aguda e montei o meu pequeno violoncelo em Sol-ré-lá-mi (como um violino grande), ele respondeu imediatamente, começou a cantar no agudo e o som ficou três vezes maior! Meu Deus, que transformação rápida e surpreendente, que som lindo e cortante, que timbre maravilhoso! (é certamente uma fantasia de violoncelista colocar os dedos simplesmente na corda do lado e tocar com facilidade lindas melodias no agudo...); quanta emoção! batia com a ponta dos dedos no corpo do cello e ouvia o som da corda mi vibrando dentro da madeira - não tinha mais dúvida: esse instrumento tinha sido feito para ser tocado assim!
Mas que instrumento era esse de verdade e como se chamava? um violoncello piccolo com quatro cordas - um violoncelo tenor? um "tenor violin"? O instrumento que falta entre a viola e o violoncelo - o tenor perdido da família do violino! e existiria um repertório original, específico para este instrumento?
Apaixonado por seu timbre único e intrigado por todas essas questões aparentemente sem resposta, comecei a estudar, a pesquisar e logo descobri que existia grande confusão e certa polêmica em torno de sua identidade e terminologia - foi assim que começou essa aventura deliciosa! O álbum duplo que vocês têm entre as mãos é o resultado desta pesquisa que durou quase uma década! Mas antes de colocá-lo para tocar e descobrir o som tão particular, doce e penetrante e um tanto melancólico do violoncello piccolo de 4 cordas, eu gostaria de apresentar para vocês aqui um pouco mais de suas características, seu repertório e contexto histórico, a polêmica em torno de sua identidade misteriosa e as descobertas desta pesquisa.
Os violoncelos - pequeno histórico e nomenclatura
A família dos violinos, que marcou sua presença e predominou na produção musical instrumental dos séculos XVII e XVIII, incluía, como todas as famílias de instrumentos naquela época, instrumentos de vários tipos, tamanhos e afinações. Existiam assim, entre o violino, a viola e o violoncelo, instrumentos intermediários, com mais ou menos cordas e diferentes medidas e maneiras de afinar, dependendo da época e do lugar.
O violoncelo teve muitas variantes durante os primeiros séculos de sua existência e desenvolvimento, adotando diferentes modelos, tipos e tamanhos, número de cordas e afinações e uma nomenclatura também muito confusa e às vezes aleatória. Ele foi chamado de Basso di viola da braccio, Basse de Violon, Bass Violin ou Bass-Geige, Bass Viol ou Bassa Viola, simplesmente Basso, Basseto, Bassetl ou Bassetgen, Violone, Violonzone, Violoncino ou Violincino...Todos esses nomes por vezes indicavam um modelo específico, outras não, indicando aleatoriamente qualquer uma das variantes ou simplesmente o mesmo instrumento, como o conhecemos hoje, o violoncelo.
O termo violoncello aparece pela primeira vez em 1665 na publicação das "Sonate a due e a tre com la parte di violoncello a beneplacito" de Giulio Cesare Arresti, organista na Basílica di San Petronio, em Bologna. Ali, em Bologna e mais especificamente na Basílica di San Petronio, se concentraram também, em torno da mesma época, vários violoncelistas importantes que escreveram as primeiras obras para o instrumento -Giovanni Battista Vitali, que aparece como intérprete de "violincino" em San Petronio já em 1658, Petronio Franceschini, Domenico Gabrielli, Giuseppe Maria Jachinni, os irmãos Bononcini, formaram a primeira escola importante de violoncelo.
Junto ao desenvolvimento do repertório e da técnica do instrumento e ao lado dessa terminologia confusa, surgiram os vários modelos e tipos de violoncelos que coexistiram durante os séculos XVI a XVIII. Os primeiros violoncelos, como os Amati que foram construídos durante o século XVI, tinham frequentemente só três cordas afinadas em Fá, dó e sol, como Agrícola descreve em sua Musica instrumentalis de 1529, no primeiro documento que temos sobre violoncelo. Ainda no século XVI temos descrições de violoncelos com quatro cordas; esses primeiros violoncelos eram grandes e afinados um tom abaixo da afinação moderna, em Sib, Fá, dó e sol, como cita por exemplo Michel Corrette ainda em 1741. Assim, no século XVII coexistiram vários tamanhos, grandes e menores e maneiras diferentes de afinar o violoncelo de quatro cordas; ao lado da afinação "normal" (Dó, Sol, ré e lá) e da anterior de um tom abaixo, eram usadas também afinações alternativas, como Dó, Sol, ré e sol (afinação aparentemente comum em Bologna no final do século XVII e scordatura requerida na Suite V para violoncelo solo de J.S.Bach). Durante o século XVIII o modelo universal, como o conhecemos e usamos até hoje com sua afinação comum em Dó, Sol, ré e lá, foi lentamente predominando e se tornando um padrão.
Até a metade do século XVIII eram também comuns e ainda muito usados os violoncelos de cinco cordas. Ainda em 1780, Jean Benjamin Laborde diz no seu Essai sur la musique: "O P.Tardieu, de Tarascon, irmão de um famoso Mestre de Capela de Provence, o imaginou [o violoncelo], em torno do começo desse século; montou-o com cinco cordas, assim afinadas. Bourdon dó, segunda sol, terceira ré, quarta lá e chanterelle ré. [...] Quinze ou vinte anos depois, o Violoncelo foi reduzido a quatro cordas, tirando dele sua chanterelle ré". Leopold Mozart é muito claro falando sobre o violoncelo na sua importante Violinschule: "O sétimo tipo é chamado de Bass-Viol, ou, como os Italianos o chamam, Violoncello. Antes ele tinha cinco cordas, mas agora só quatro." Esses violoncelos de cinco cordas eram afinados em Dó, Sol, ré, lá (como os violoncelos "normais"), com a quinta corda mais aguda afinada ou em ré, como cita Laborde, ou mais freqüentemente em mi, seguindo a lógica de afinação por quintas. A sexta suíte de J.S.Bach para violoncelo solo, "à cinq acordes" (Dó, Sol, ré, lá, mi), foi provavelmente escrita para um desses instrumentos, ou para um violoncello piccolo com cinco cordas.
Ao lado de todos esses modelos de violoncelos existia então também o violoncello piccolo de quatro ou cinco cordas! Mas que instrumento que seria esse afinal? Como seu nome diz, seria um violoncelo menor (e mais agudo), mas quais as suas verdadeiras dimensões e qual o jeito de tocá-lo? Em nossos dias existe grande polêmica e muita confusão em torno do próprio termo violoncello piccolo e da natureza do instrumento ao qual se refere - seria um instrumento da braccio, segurado na horizontal como um violino, ou um instrumento da gamba, apoiado na vertical entre as pernas, como um violoncelo? Alguns pesquisadores e músicos relacionam ou confundem o piccolo com a quase mítica viola pomposa (um instrumento que supostamente Bach teria inventado, mas nunca escrito para ele...), ou com a viola da spalla, uma viola grande com quatro ou cinco cordas e afinada uma oitava abaixo da viola normal, mas incômoda de tocar por causa do seu tamanho, segurada com uma cinta e apoiada no ombro direito. Alguns afirmam que violoncello piccolo significaria sempre um instrumento tocado no ombro, outros que o próprio termo violoncello designaria também um instrumento parecido à viola da spalla! Mas existem ainda hoje violoncelos antigos pequenos, muito provavelmente feitos para tocar na tessitura do tenor e muito grandes para segurar no ombro, como uma viola... Parece lógico e verossímil pensar que nos séculos XVII e XVIII, ao contrário de nossos dias, existia uma variedade extraordinária e riquíssima de instrumentos híbridos, de vários tipos, tamanhos, afinações e jeitos de serem tocados, dependendo da época, do lugar, da situação e dos intérpretes e que certamente co-existiram assim na época instrumentos baixos ou tenores, como a viola da spalla, a viola pomposa e o violoncello piccolo, alguns tocados no ombro e outros certamente apoiados entre as pernas, da família dos violoncelos mesmo, como claramente demonstra o repertório apresentado aqui, nesta gravação, em grande parte escrito por ou para violoncelistas.
O tenor perdido
O violoncello piccolo de 4 cordas perde, como já falamos, a corda grave Dó do violoncelo e é afinado exatamente como um violino, porém uma oitava abaixo, em Sol, ré, lá e mi - assim como o violoncelo normal é afinado exatamente uma oitava abaixo da viola. Esse instrumento esquecido seria o verdadeiro tenor da família do violino! Ele completa as vozes do quarteto (considerando o violino como soprano, a viola como alto, o violoncello piccolo como tenor e o violoncelo como baixo - todos com 4 cordas) e seria o instrumento ideal para tocar a parte de tenor num consort de violinos. Por utilizar a mesma afinação e por suas menores dimensões, o violoncello piccolo de quatro cordas tocaria também com facilidade musica escrita para violino, na clave e tonalidade originais e usando posições e dedilhados muito parecidos.
Em sua Musurgia Universalis, publicada em Roma em 1650, Athanasius Kircher atribui a afinação em Sol, ré, lá, mi ao Violone - que significaria, em tradução livre, violino grande! Violone, tenore, tenor violin, violoncello piccolo, pouco importa finalmente o nome, os violoncelistas daquela época deviam certamente gostar e usar esses instrumentos pequenos muito mais do que se acredita atualmente, especialmente para tocar solo, não só pela sua leveza e agilidade, mas também pela facilidade de tocar no agudo e pelo seu belo timbre. Sabemos por exemplo que Andrea Caporale, ao qual dedicamos o segundo cd deste álbum, gostava e tocava esses instrumentos pequenos e que o filho do famoso violoncelista alemão Bernhard Romberg se apresentava (ainda no começo do século XIX) com um instrumento afinado uma oitava acima! Tocar solos num instrumento menor (eventualmente num violoncello piccolo de quatro cordas) era aparentemente lógico e comum e J.J.Quantz confirma essa idéia no seu valioso método para tocar a flauta: "Esses que não só acompanham no violoncelo, mas também tocam solos nele, fariam bem de ter dois instrumentos especiais, um para os solos, o outro para as partes de ripieno em grandes grupos. O último deve ser maior, e deve ser equipado com cordas mais grossas que o primeiro." O violocello piccolo de quatro cordas foi provavelmente utilizado não só para tocar solos, mas também para fazer parte de ensembles de música de câmara (assumindo por exemplo uma das vozes nas inúmeras trio-sonatas barrocas, onde raramente se especifica a instrumentação); nem só para tocar música de violoncelo, ou música originalmente escrita para ele, mas também para tocar música escrita para outros instrumentos, como o violino ou a viola da gamba. Afinal, aproveitar de peças já escritas para um instrumento e arranjá-las para outro, era prática comum na época...
Os rápidos progressos do violoncelo na segunda metade do século XVIII, com a invenção da técnica do polegar que permitiu explorar toda a extensão do instrumento e tocar nas regiões mais agudas, junto às mudanças no gosto e na mentalidade e a vontade de uniformização, ou padronização de um modelo único (que facilitaria a vida dos violoncelistas), obrigaram o violocello piccolo de quatro cordas a sair de cena, tornando-se obsoleto e desaparecendo aos poucos. Provavelmente vários dos instrumentos para crianças que apareceram no final do século XVIII e começo do século XIX, eram violoncelli piccoli que já existiam, ou foram construídos nas mesmas medidas; não demorou mais que uma ou duas gerações para esquecer que eles eram originalmente afinados na quinta superior e que, por causa de seu tamanho, não "aguentavam" a corda Dó grave, mas soavam muito melhor com a afinação do piccolo de quatro cordas, em Sol, ré, lá e mi. Assim, eles chegaram até os nossos dias como violoncelos de criança, afinados da maneira "normal".
Com exceção das peças que J.S.Bach escreveu incluindo a parte de um violoncello piccolo obbligato, metade delas sem dúvida escritas para o modelo de quatro cordas, existe um repertório original que certamente foi escrito para este instrumento, mesmo sem ser diretamente atribuído a ele. Este repertório, a priori destinado ao violoncello, apresenta indícios e características musicais que não deixam dúvidas sobre a identidade do instrumento para o qual foi escrito. Queremos defender aqui essa idéia, apresentando e examinando de perto este repertório.
Johann Sebastian Bach
J.S.Bach tem uma relação estreita e muito especial com o violoncello piccolo de quatro cordas e foi o único compositor a escrever explicitamente para ele. Além da sexta Suite a violoncello solo senza basso, escrita para um violoncelo ou um piccolo de cinco cordas, Bach deixou também nove Cantatas onde incluiu arias com violoncello piccolo obbligato. Todas essas Cantatas foram escritas entre 1724 e 1726, muito perto da data da composição das 6 suítes (1720 - 1723). Teria Bach aproveitado a presença passageira em Leipzig de algum violoncelista que tocava esse instrumento, ou teria ele mesmo algum desses instrumentos em mãos?
A maioria dessas partes para violoncello piccolo foi escrita sem dúvida para um instrumento de quatro cordas, um tenor afinado em Sol, ré, lá e mi, como a extensão requerida por Bach claramente demonstra. De fato, a nota mais grave nessas partes é o Sol e conseqüentemente a corda grave Dó de um instrumento a cinco cordas nunca seria utilizada. Ainda mais, existem acordes que, se o instrumento tivesse a corda Dó, seriam naturalmente tocados e mais completos com quatro notas, mas aparecem incompletos, só com três notas e faltando a fundamental!
Essas arias com violoncello piccolo obbligato exploram, como Bach sabia tão bem fazer, o timbre delicado e particular e os limites da técnica e da expressividade do instrumento. Essa música maravilhosa, escrita por um dos maiores compositores da história da música, constitui a melhor defesa do violoncello piccolo de quatro cordas.
Ao lado dessas partes de obbligato existe também uma parte de violoncello para a Cantata BWV 71 de 1708, com uma extensão indo do Sol grave (sem então nenhuma nota que requer a corda Dó), até o mi´ agudo (uma décima segunda acima da corda lá do violoncelo normal). Nunca usar uma das quatro cordas do instrumento e tocar numa região tão aguda dele seria muito excepcional em 1708 - tudo indica que essa parte de violoncello foi escrita para um instrumento afinado em Sol, ré, lá, mi, um violoncello piccolo de quatro cordas.
Mas a relação particular de J.S.Bach com o violoncello piccolo de quatro cordas não se limita a essas peças. Existe uma pintura extraodinária de Balthasar Denner feita em torno de 1730, que aparentemente representa Bach e três de seus filhos, todos com instrumentos na mão. Na mesa estão abertas partituras, como se eles estivessem acabado de tocar. Dois dos filhos seguram violinos, o outro um traverso e Johann Sebastian um instrumento que, pelas suas dimensões, sua forma e suas quatro cravelhas, é irrefutavelmente um violoncello piccolo de quatro cordas! Esta é certamente uma representação realista e Bach parece saber muito bem segurar e tocar esse instrumento (como tantos outros). A época em que essa pintura foi feita, em torno de 1730, é muito próxima da época em que Bach escreveu as suítes para violoncelo solo e as árias com violoncello piccolo obbligato. Teria ele mesmo tocado ou, ao menos, experimentado essas peças no seu próprio instrumento? Teri Noel Towe escreveu recentemente um artigo extenso e muito interessante sobre o rosto de Bach, onde apresenta sua análise minuciosa do quadro de Denner em comparação a outros retratos do compositor e defende que o Denner não teria representado de verdade J.S.Bach, mas o violoncelista Christian Ferdinand Abel e três de seus filhos - o que não muda nada para nossa situação, porque Abel era amigo próximo e colega de Bach e consequentemente este último teria tido contato direto com o instrumento, mesmo assim! Dentro de toda a polêmica e a confusão que existe até hoje em torno da viola pomposa, da viola da spalla e do violoncello piccolo na música de Bach, este quadro de Balthasar Denner representa um documento de época valiosíssimo, que comprova a relação direta de Johann Sebastian Bach com o violoncello piccolo de quatro cordas.
Giuseppe Valentini, Allettamenti opus 8 - "...or Violoncello"?
Não se sabe muito sobre Giuseppe Valentini, violinista e compositor que nasceu em torno de 1680 em Florença e morreu provavelmente em Paris na década de 1750. Ele chegou em torno de 1692 a Roma, onde trabalhou como violinista entre 1708 e 1713 para o príncipe Francesco Maria Ruspoli e onde suas obras foram publicadas. Lá ele foi aluno de Giovanni Bononcini e muito provavelmente de Corelli. As obras desse compositor e violinista excepcional, além de mostrarem a influência de Corelli, são originais e idiomáticas, usando frequentemente tonalidades remotas e encadeamentos harmônicos inesperados e apresentando uma técnica de violino avançada.
Depois da sua publicação em Roma em 1714, o opus 8 de Valentini foi também publicado em Londres em 1720, com o título XII Solos for the Violin or Violoncello with a Thorough Bass. (É curioso observar que foi exatamente neste ano de 1720 que chegou em Londres o violoncelista e compositor Giovanni Bononcini, o professor de Valentini em Roma!). Esses doze Solos são chamados de Allettamenti no começo de cada composição (Allettamento significa algo como Divertimento), mas são de fato Sonatas com cinco movimentos cada (lento / rápido / lento / rápido / rápido).
A música do opus 8 é simplesmente maravilhosa e excepcional, cheia de afetos e contrastes, com harmonias e cadências ousadas e melodias tocantes e surpreendentes, deixando espaço para ornamentações, improvisações e pequenas cadenzas e exigindo dos intérpretes virtuosismo e imaginação. O estilo avançado e quase experimental dessas composições lembra o stylus phantasticus - Valentini escreve com muita liberdade, usa efeitos expressivos riquíssimos e experimenta com tudo: pausas longas e dramáticas, ritmos sincopados, tensões harmônicas que não se resolvem...e pouco antes de fechar a coleção, no 2º e 4º movimentos do Allettamento XII, o solista deve tocar em tempo de 3/4 e o basso continuo em 4/4 (e vice versa)!
Era certamente prática comum na época, como o título da edição de Londres demonstra, tocar obras para violino no violoncelo, mas a própria extensão do violino, a utilização freqüente de sua região aguda e as exigências técnicas dessas peças sugerem que o instrumento ideal seria o violoncello piccolo de quatro cordas. De fato, seria extremamente difícil e virtuosístico tocar esses Allettamenti no violoncelo em 1720 e, mesmo com a possível utilização do polegar (o que seria também surpreendente nesta época), a execução das passagens agudas, ou de passagens idiomáticas entre cordas lá e mi, seria muito desconfortável e nada natural. Ao contrário, esses Allettamenti não só cabem perfeitamente na região e soam muito bem nesse grande violino que é o violoncello piccolo de quatro cordas, como também são executados de uma maneira muito mais simples e natural, lendo-se diretamente na parte original, sem transposição e colocando os dedos nas mesmas posições que um violinista colocaria.
Temos aqui, junto com a parte da Cantata BWV 71 de Bach, mais um exemplo de música aparentemente destinada ao violoncello, mas muito provavelmente tocada num violoncello piccolo de quatro cordas. Isso nos permitiria imaginar que os compositores e editores da época não se sentiam especialmente na obrigação de especificar o tipo de violoncelo ao qual se referiam e que os violoncelistas transitavam de uma maneira natural entre os vários modelos existentes de seu instrumento (como faziam os gambistas, tecladistas e vários instrumentistas de sopros).
Sabemos que até a primeira metade do século XVIII todos os violoncelos ingleses eram pequenos, de dimensões menores que os modelos italianos habituais, e que o termo mais usado na Inglaterra para indicar o violoncelo, era o antigo Bass Violin. Essa particularidade inglesa, de usar instrumentos diferentes e mais antigos da família do violino, em combinação com a publicação dos XII Solos for the Violin or Violoncello em Londres, podem sugerir que existia uma relação particular entre a Inglaterra e o violoncello piccolo de quatro cordas e que os violoncelistas de lá costumavam tocar este instrumento freqüentemente. Aqui, para defender essa idéia, entra em cena Andrea Caporale!
Andrea Caporale, violoncelista de Haendel - "a full, sweet and vocal tone"
Praticamente nada se sabe sobre a vida do violoncelista e compositor italiano Andrea Caporale, que chegou da Itália em Londres no ano de 1734. Antes disso não temos nenhuma informação sobre ele e suas datas de nascimento e morte são desconhecidas. Em Londres ele se tornou um dos violoncelistas mais respeitados e populares da época e Charles Burney observou que ele possuía no violoncelo "...a full, sweet and vocal tone" ("um som cheio, doce e com qualidades de voz"). Caporale trabalhou como primeiro violoncelista de Haendel na ópera e foi para ele que Haendel escreveu vários solos e partes obbligato de violoncelo, incluídas em algumas de suas óperas e oratórios, como Alexander's Feast (1736), Ode on St. Cecilia's Day (1739), Deidamia (1740), L'Allegro, il Pensieroso ed il Moderato (1740) e Judas Maccabeus (1747). Alguns desses solos, como a parte obbligato da ária "But O! Sad Virgin" do oratório L'Allegro, il Pensieroso ed il Moderato, agudíssima e extremamente florida, sugerem ou fazem obrigatória a utilização de um violoncello Piccolo.
A Sonata de Caporale para violoncelo e baixo continuo em ré menor (que fecha nosso segundo cd), publicada em Londres em 1748 dentro de uma coleção de sonatas para violoncelo de vários autores, apresenta uma concentração única de evidências musicais que nos levam a acreditar que ela foi escrita para o violoncello piccolo de quatro cordas. (Esta sonata, escrita por um violoncelista e obviamente para um instrumento à vertical, foi o estopim para minha pesquisa sobre o repertório original para violoncello piccolo de quatro cordas). A evidência mais óbvia e já comentada aqui anteriormente é a ausência total de qualquer nota abaixo da corda Sol e a extensão requerida do instrumento no agudo. As freqüentes passagens rápidas e virtuosísticas do segundo movimento Allegro, que inclui batteries e cruzamentos entre três cordas, seriam praticamente inexecutáveis num violoncelo normal, mas são idiomáticas e muito naturais no violoncello piccolo de quatro cordas. Ainda mais, a parte do violoncelo solo desta sonata é inteiramente escrita na clave de do na quarta linha, também conhecida como clave de tenor (no violoncelo se usam normalmente três claves: a principal clave de fá, a clave de dó na quarta linha - habitualmente usada para a região média e aguda do instrumento - e a clave de sol para as notas muito agudas, evitando-se assim o excesso de linhas suplementares). Aqui vem mais um indício musical em defesa da utilização do violoncello piccolo de quatro cordas, não apresentado até agora: esta clave de tenor cobre perfeitamente toda a extensão do violoncello piccolo de quatro cordas e pelas relações de quintas entre o violoncelo normal e o piccolo, entre suas cordas e entre as claves de fá e de dó na quarta linha, fica extremamente prático e fácil ler nesta clave de dó ao tocar num violoncello piccolo de quatro cordas. Na verdade, o violoncelista apenas toca como se estivesse lendo na clave de fá habitual e tocando num violoncelo normal - pelo fato do piccolo estar afinado na quinta superior, a música soa exatamente como deveria e a transposição é feita automaticamente! Todas essas evidências musicais não deixam a menor dúvida sobre o instrumento que Caporale usou para apresentar sua sonata em ré menor.
Em 1746 foi também publicado em Londres um volume de doze sonatas para violoncelo, incluindo seis sonatas de Caporale e seis de Johann Ernst Galliard. As três primeiras sonatas de Caporale apresentam exatamente as mesmas características musicais (extensão, clave e passagens idiomáticas), que comprovam a utilização do violoncello piccolo de quatro cordas. A música, leve, simples e despretensiosa, de um estilo bem galante, com melodias lindas e cantadas e com forte influência de Haendel, ressalta o timbre doce e melancólico do instrumento.
Lembrando da publicação dos XII Solos de Valentini em Londres e dos violoncelos ingleses pequenos, podemos imaginar que Caporale provavelmente continuou uma tradição e uma prática que já eram relativamente comuns entre os violoncelistas de lá, de tocar esses instrumentos tenores; mas podemos também pensar que, sendo ele um dos violoncelistas mais famosos e admirados da época, influenciou outros e ajudou na difusão do violoncello piccolo de quatro cordas.
Na dedicatória de J.E.Galliard ao príncipe de Wales para a edição das doze sonatas de 1746, podemos ler: "O trabalho que agora humildemente ofereço para a aceitação de sua majestade, vai sofrer pela perda do senhor Caporale, que estava comigo neste projeto, e cuja excelente performance o deixaria mais divertido." Não sabemos se Caporale morreu antes da publicação dessas sonatas...seu nome reaparece oito anos depois em Dublin, onde é mencionado entre 1754 e 1757.
Coda
Vimos que existe um repertorio original para o violoncello piccolo de quatro cordas, mesmo quando isto não é especificado e vimos também que usar os vários modelos existentes dos instrumentos era algo natural para os compositores e instrumentistas da época. Podemos pensar que todas as obras para violoncello que incluem claramente as características musicais apresentadas acima (extensão do instrumento, clave usada, passagens idiomáticas entre cordas lá e mi, acordes e arpejos), foram provavelmente escritas para o violoncello piccolo de quatro cordas ou que, pelo menos, poderiam ser tocadas nele.
O violoncello piccolo de quatro cordas teve certamente seu momento de glória e maior popularidade na primeira metade do século XVIII, como demonstra o repertório apresentado aqui. Esta presença ativa do violoncello piccolo de quatro cordas reflete com certeza o espírito geral no século XVIII, contrário ao de nossos dias globalizados, do gosto pela variedade e não pela uniformização.
O que faz um violoncelista (que tem uma queda por instrumentos antigos e um amor especial para a música dos séculos XVII e XVIII), dentro deste mundo globalizado e comercial, tão hostil às artes e ao pensamento? Ele segue seu caminho pacientemente - fechado durante dias num quarto, entre papeis, livros e partituras, lendo e pesquisando freneticamente, ele tenta escrever um texto sobre violoncello piccolo de quatro cordas, se esforçando para não esquecer o equilíbrio, tão musical, entre erudição e espontaneidade, leveza e seriedade, aprofundamento e simplicidade, ciência e poesia...
Dimos Goudaroulis, São Paulo, março de 2010.
Texto do encarte do álbum duplo "O Tenor Perdido", que o selo SESC lança com cinco concertos do duo entre 23 de abril e 2 de maio. Reprodução autorizada pelo autor e pelo SESC.

Sperger Sonata

sábado, 6 de outubro de 2012

Biografia de François Rabbath


François Rabbath (nascido em 1931 em Aleppo , Síria ) é um contemporâneo contrabaixista francês, solista e compositor .
Ele nasceu em uma família síria de músicos , mas sua única instrução veio de um livro escrito por um contrabaixista parisiense Edouard Nanny . Em 1955 ele foi para Paris , na esperança de encontrar Nanny, que morreu antes de ele chegar, mas ele continuou a estudar e, em 1964, registrado pela primeira vez. Playing Rabbath tem sido bem documentado com CD e DVD.
A grande contribuição de Rabbath para o campo do contra baixo pedagogicamente é representado na técnica Nouvelle três volumes de la contrebasse. As principais diferenças na abordagem Rabbath é de que o método de contrabaixo de Franz Simandl é o uso Rabbath da mão esquerda e sua atenção detalhada para o braço do arco. No sistema Simandl, a primeira posição (posição abaixo do polegar) abrange apenas um passo inteiro. No método Rabbath, o braço inteiro é dividido em apenas seis posições, definido pela localização do harmónicos naturais sobre as cordas. A tocar o baixo com seis posições é possível usar uma técnica chamada de giro.
Os pivôs são muitas vezes erroneamente chamado de extensões ou mudanças. Uma extensão é um alargamento da mão para alcançar uma nova nota [como descrito por Zimmermann]. Um pivô é um balanço da mão para chegar a uma nova nota onde o polegar permanece estacionário, mas todos os dedos ganhar a liberdade técnica para se mover em qualquer outro lugar possível / necessário.Pivôs, assim, permitir a fusão de várias posições diferentes ao mesmo tempo. Ao colocar o polegar em um local apropriado e só balançando a mão para trás e para a frente, o jogador pode usar, por exemplo, tanto meia, 1 º, e as posições de segundo, sem a necessidade de deslocamentos. Normalmente, o polegar deve estar relativamente trás do dedo indicador ou mais perto do dedo médio (quando não está em posição de polegar) de modo que o baixista pode utilizar totalmente o peso do braço esquerdo e tem um eixo de rotação muito livre. A razão de um pivô não é uma mudança é porque o polegar não se move quer na cadeia ou por trás do pescoço.Uma mudança exige que os movimentos da mão inteiros e resulta em uma mudança de posição.
Outra técnica usada por François Rabbath é a Técnica do Caranguejo, nomeado para a forma como o movimento da mão assemelha-se a pé para o lado de um caranguejo. A técnica é descrita no terceiro volume do Método Rabbath e permite parte da mão para se mover enquanto a outra parte permanece e vice-versa - desta forma que a mão pode se mover para cima e para baixo a corda em certas passagens sem jamais mudar. Rabbath não é a primeira pessoa a usar a técnica de caranguejo, mas ele é o baixista primeira dupla de nomeá-lo e dar-lhe uma exploração plena completa técnico. Por exemplo, exercícios semelhantes são encontrados na primeira página de Técnica Simplificado Franco Petracchi do Superior. Alguns pequenos exemplos podem ser encontrados em livros de métodos tais como Simandl, mas é um ponto de contenção se estes foram concebidos como caranguejos ou mudanças como eles não contêm explicações textuais.

G. Bottesini - Concerto No. 1 in B minor for Double Bass

sexta-feira, 5 de outubro de 2012

O Barroco na Música (1600-1750)

Frontispício da ópera Orfeo de MonteverdiO barroco foi uma tendência artística que se desenvolveu primeiramente nas artes plásticas e depois se manifestou na literatura, no teatro e na música. A palavra “barroco” significa “pérola irregular” ou “pérola deformada” representando de forma pejorativa a idéia de irregularidade. De início, era usada pra designar o estilo da arquitetura e da arte do século XVII, que se caracterizava pelo estilo rebuscado e pelo emprego excessivo de ornamentos. Na música, o termo é indicado para designar o período que vai do aparecimento da ópera (“Orfeo”, de Monteverdi, 1607) e do oratório até a morte de J.S. Bach (1750).
É considerada uma das épocas musicais mais longas, fecundas, revolucionárias e importantes de música ocidental, e provavelmente, também, a mais influente.

O período Barroco teve início na Itália e seus precursores foram Giovanni Gabrieli e Claudio Monteverdi. O movimento se espalharia para a Alemanha, com Heinrich Schütz e França com Jean-Philippe Rameau. Outras figuras representativas do Barroco, na Europa continental foram Jean-Baptiste Lully, Giacomo Carissimi e Arcangelo Corelli.
A partir do século XVII, o sistema de modos perde cade vez mais importância sendo abandonado gradativamente pelos compositores que passam com mais freqüência a se utilizar de bemois e sustenidos, causando a perda de identidade dos modos que acabam ficando reduzidos a apenas dois: jônio e eólio. A partir daí, passa a se desenvolver o sistema tonal maior-menor que será a base da harmonia nos próximos dois séculos que se sucedem. Na realidade, trata-se justamente do aproveitamento desses dois modos: o modo jônio (modo “maior”) e o modo eólio (modo “menor”).
Características principais do Barroco
Entre as características mais importantes do período estão o uso do baixo contínuo, do contraponto e da harmonia tonal, em oposição aos modos gregorianos até então vigente.
De início, ocorre a retomada de tessituras mais leves e homofônicas, com a melodia apoiada em acordes simples. As tessituras polifônicas entretanto logo retornam. Segundo Carpeux (2001), esse inicial retorno à simplicidade traz em si algo aparentemente paradoxal. 
“Pensando nas artes plásticas e na literatura do Barroco, podemos esperar de sua música as mais ricas complexidades polifônicas e a expressão de uma religiosidade mística. Mas então os fatos nos decepcionam totalmente. O gênero predominante do século XVII não tem nada que ver com religiosidade mística: é a ópera. E em vez das complicações polifônicas, espera-nos canto do solista, a homofonia, a ária.”
Entretanto, o embate que a princípio nos parece natural entre arte renascentista e a arte barroca não era visto da mesma forma entre os músicos do século XVII, visto que tanto os renascentistas quanto os barrocos tinham como objetivo resgatar a arte da antiguidade. Assim, para eles o estilo barroco não foi sentido, a princípio, como uma reviravolta revolucionária, mas antes como um progresso em relação aos objetivos não plenamente alcançados na Renascença. Dessa forma, o uso do canto homofônico surge como um recurso para dar mais expressão aos sentimentos, resgatando a dramaticidade da tragédia grega.
Porém, a nova monodia, com sua guinada em direção a uma melodia construída à base de acordes simples, foi considerada extremamente revolucionária e rotulada como stilemoderno. Contudo, boa parcela das obras dessa época – sobretudo as composições sacras – ainda eram escritas ao estilo contrapontístico, agora designado como stilo antico. Alguns compositores, inclusive Monteverdi, usaram ambos.
Durante o século XVII, surgiram também novas formas musicais como a ópera, o oratório, a fuga, a suíte, a sonata e o concerto.
As principais formas empregadas são binária, ternária (ária da capo), rondó, variações (incluindo o baixo ostinato, a chacona e a passacaglia), ritornello e fuga. Quanto aos tipo de música os mais freqüentes são coral, recitativo e ária, ópera, oratório e cantata, abertura italiana, abertura francesa, tocata, prelúdio coral, suíte de danças, sonata de câmara, sonata de chiesa, concerto grosso e concerto solo.
Instrumentos barrocosFreqüentemente, a música é exuberante com ritmos enérgicos. Quanto às melodias estas são tecidas em linhas extensas e fluentes, com muitos ornamentos (trinados, apojaturas, arpejos, mordentes, etc). Durante a época barroca, a improvisação era muito comum, muitos dos ornamentos nem sequer constavam nas partituras e sim eram criados de forma improvisada durante a execução. A arte da ornamentação era então, uma prática musical amplamente difundida e, por isso, a maioria dos compositores esperava que o intérprete ornamentasse suas obras. Freqüentemente, até mesmo anotavam apenas uma estrutura harmônica, que só com a arte da ornamentação poderia se transformar em um todo sonoro acabado.
Também são característicos os contrastes de timbres instrumentais (principalmente nos concertos), de poucos instrumentos contra muitos, e de sonoridades fortes com suaves (a dinâmica de patamares, por vezes efeitos de eco). Assim, uma das características fortes do período é o contraste.
Nesse período a instrumentação atinge sua primeira maturidade e grande florescimento. Pela primeira vez surgem gêneros musicais puramente instrumentais, como a suíte e o concerto. Nesta época, surge também o virtuosismo, que explora ao máximo o instrumento musical.
Johann Sebastian Bach e Dietrich Buxtehude foram os maiores virtuoses do órgão. Jean Philipe Rameau, Domenico Scarlatti e François Couperin eram virtuoses do cravo. Antonio Vivaldi e Arcangelo Corelli eram virtuoses no violino.
Oficina de Stradivarius
Isso ocorre graças a uma evolução no que diz respeito à fabricação dos instrumentos. É o caso, por exemplo, do violino, principalmente à partir do final do século XVII quando surge a mitológica Escola de Cremona.
Nesta cidade italiana desenvolveu-se, no período, uma verdadeira indústria artesanal de instrumentos de arcos, com ênfase especial no violino. A primeira oficina dos célebres Amati trouxe importantes mudanças ao instrumento, tornando-o não só mais belo, mas, principalmente, alcançando um timbre mais forte e poderoso. Assim, o cavalete do instrumento tornou-se mais alto, e o ponto ou espelho foi alongado; passou-se a usar cordas mais longas e esticadas. Além de Amati, pertenceu a escola de Cremona o célebre Antonio Stradivarius (1644-1737), cujo sobrenome é quase um sinônimo de violino.
Stradivarius (Stradivari) fez um violino mais comprido, reforçou o corpo e alargou os “ff” (abertura de som), enriquecendo assim ainda mais o timbre. Além dele é importante também destacar o nome do artesão Giuseppe Antonio Guarniere (1687-1745).
CravoA família do violino veio a substituir gradualmente a das violas, e a orquestra foi gradualmente tomando forma, com as cordas constituindo uma seção de peso em sua organização, embora as outras seções não estivessem ainda padronizadas.
O barroco foi a época de máximo desenvolvimento de instrumentos como o cravo e o órgão, mas também surgiram várias peças para grupos pequenos de instrumentos, que iam de três até nove instrumentistas, a chamada música de câmara.
Um traço constante nas orquestras barrocas era o emprego do órgão ou cravo contínuo, preenchendo a harmonia, enriquecendo a tessitura e, de fato mantendo a unidade da orquestra.
O Barroco na Itália
MonteverdiA história do Barroco confunde-se com a História italiana dos séculos XV a XVIII. A conturbada História italiana mostra, simplificadamente, a eterna disputa dos grandes e pequenos reinos do norte entre eles mesmos e a França, Espanha, Suíça, Hungria, Áustria e Alemanha, não se dando tempo para criar cultura própria, exceto nos intervalos guerreiros. Mostra a anarquia e a corrupção dos Estados Papais e a permanente gangorra entre a estável República de Veneza e o Reino das Duas Sicílias, balançando sobre a riqueza da Toscana. Aí sim, repousa o poderio artístico italiano, principalmente sobre a cidade de Florença, que tinha o lírio como emblema e a flor (ou florim) de ouro como moeda, a mais valiosa e usada nas transações internacionais na época.
Desde o Renascimento que, sob a influência dos Medici, Florença esteve na vanguarda das artes. Ghiberti e Gozzoli e as suas famosas “Portas do Batistério”, Michelangelo, Donatello, Giotto, Fra Filippo Lippi, Pisano, Botticelli, Verrocchio, Pollaiuolo, Ghirlandaio, Leonardo da Vinci, Andrea del Sarto, Maquiavel, Savonarola, Benvenuto Cellini, Nicolaus Copérnico, Galileu Galilei e Torricelli trabalharam em Florença, cujo poder de atração da melhor parte da intelectualidade foi marcante. Isto continuou durante o século XVIII com o acolhimento dos músicos, naturais e estrangeiros, como Händel, Cristofori, Alessandro Scarlatti e seu filho Domenico, Frescobaldi, Veracini e Lully.
A predominância vocal da música barroca italiana recomendou o uso acessório de violinos, cravos e órgãos portáteis. Os violones, por exemplo, só apareceram lá por 1650 e somente em Veneza, por causa do intenso intercâmbio com a Alemanha. Eram também usados correntemente o clarinete, o chalumeau e a viole all’inglese. O oboé e a flauta transversal só foram adotadas no último estágio barroco.
A produção musical na Itália foi tão abundante no barroco que sufocou todas as iniciativas estrangeiras. Ainda no período clássico este predomínio tenha permanecido, ao menos no campo da ópera.
Os florentinos tinham inventado a ópera para aperfeiçoar a arte dramática. Em vez disso, surgiu um gênero que os franceses e os italianos passaram a denominar de “arte lírica”.
VivaldiNa Itália, o nome mais destacado foi Antonio Vivaldi (1678-1741), autor de numerosos concertos, óperas e oratórios. A ele é atribuída a composição da série de concertos “As Quatro Estações”, provavelmente a mais difundida de todas as peças desse período. Foi o responsável por estabelecer definitivamente a forma do concerto, que continua a ser composta até os dias atuais.
Embora fosse um sacerdote deu os passos definitivos para a música instrumental profana, seguindo por um caminho que levou até à arte de Bach, que o teria ouvido quando Vivaldi viajou até Dresden para apresentar-se como violinista.

Claudio Monteverdi
 (1567-1643) foi considerado o “pai da ópera”. A ele é atribuído o mérito de ter introduzido e popularizado o gênero, que já vinha sendo desenvolvido desde Jacopo Peri, com as obras “Dafne” e “Euridice”.
Monteverdi também é o autor da ópera mais antiga ainda hoje representada: “Orfeo e Euridice”.
Monteverdi foi maestro da corte de Mântua e regente do coro da basílica de San Marco, em Veneza. Introduziu na música sacra os modos e meios de expressão da ópera.
Outros compositores do barroco italiano foram Arcangelo Corelli (1653-1713) eDomenico Scarlatti (1685-1757) – este último, o maior expoente da música para cravo desse período.

Barroco Francês

A tradição musical do barroco francês deu-se principalmente com Jean-Baptiste Lully(1632-1687), que introduziu a ópera francesa. Na verdade Lully era florentino, sendo seu verdadeiro nome Giovanni Battista Lulli.
O nome de Jean-Philippe Rameau (1683-1764) também merece destaque. Rameau desenvolveu importantes obras para cravo. Outro compositor importante do período foiFrançois Couperin (1668-1773), autor de peças musicais sacras.
Barroco Alemão
O barroco alemão iniciou-se com Heinrich Schüetz (1585-1672), considerado o “pai da música alemã”. A influência veneziana de Gabrielle e Monteverdi são marcantes na obra de Schüetz. Entretanto, sua música é caracterizada pela fervorosa religiosidade luterana alemã. Sua obra “Daphne” é considerada a primeira ópera alemã. Durante o período em que foi regente em Dresden compôs as três coleções de “Symphoniae sacrae” (1629, 1647, 1650) que possuem a forte expressividade da melodia cantada, de acordo com o modelo dos venezianos, sem contudo desviar-se para o terreno da ópera, sempre guardando a dignidade dos textos bíblicos.
Johann Hermann Schein (1586-1630), Samuel Scheidt (1587-1654) e Michael Praetorius (1571-1621), contemporâneos de Heinrich Schüetz (1585-1672), também são bastante notáveis nessa época.
BachNa segunda metade do século XVIII, destacaram-seJohann Sebastian Bach (1685-1750), Georg Friedrich Händel (1685-1759) e Georg Phillip Telemann, seguidos por Johann Pachelbel, Johann Jakob Froberger e Georg Muffat.
Diz-se que Johann Sebastian Bach foi o maior compositor do barroco alemão (e um dos mais importantes da história da música). Por ter esgotado todas as possibilidades da música barroca, sua morte é considerada como o ponto final do Período Barroco.
No início de sua carreira de compositor, o talento de Bach era dirigido a música para órgão e coral. Apenas quando se tornou diretor de música da corte do príncipe Leopold é que começou a escrever música instrumental. Bach transformou o solo em uma parte bem mais importante do que anteriormente, usando a orquestra muitas vezes mais como acompanhamento.

Barroco Inglês
Durante grande parte do século XVII a música inglesa continuou ligada ao período Renascentista. Ao final da era Elizabetana, nomes como Gibbons e Byrd deram início a uma nova tradição instrumental que foi seguida por Lawes e Purcell, cujos trios sonatas e fantasias para violas demonstram uma destacada originalidade acoplada a uma técnica de excepcional qualidade.
A grande genialidade da música inglesa barroca vai encontrar sua característica e grandeza no gênero vocal, seja no repertório sacro – hinos anglicanos e oratórios – ou no terreno da musica teatral, a semi-opera, tão bem ilustrada por Purcell em “The Fairy Queen”.
Mas a ópera inglesa, depois de um promissor começo com Blow – “Venus and Adonis” – e Purcell, teve que render-se ao estilo italiano implantado por Händel.
HäendelGeorg Friedrich Händel (1685-1759) nasceu e formou-se na Alemanha, mas viveu e morreu na Inglaterra, também viajou para a Itália, em 1707, quando apresentou-se como virtuose no órgão. Chegou a fundar uma casa de ópera na Inglaterra, entretanto, teve que enfrentar as disputas com adversários italianos e aplacar os maus gênios deprimas-donnas e castratti, que disputavam a atenção nos palcos e fora deles.
Recebe na Inglaterra, a missão de criar um teatro real de ópera, que seria conhecido também como aRoyal Academy of Music. Foram escritas 14 óperas para essa entre 1720 e 1728, o que conferiu grande fama a ele em toda a Europa. De 1740 em diante, Händel passa a se dedicar mais à composição de oratórios, dentre os quais “O Messias” e “Judas Macabeu”.
Sua ópera apresenta influência do estilo italiano, já seus coros, marchas e danças trazem influência da ópera francesa de Lully.
Formas Musicais
A ópera
Cena de ópera barrocaEm florença, na Itália, durante o final do século XVI, um grupo de escritores e músicos deram a si próprios o nome de Cammerata. Chegaram a conclusão que o elaborado tecido contrapontístico da música de canto obscurecia o sentido das palavras, deixando assim de exprimir adequadamente o plano afetivo das emoções que caberia justamente a palavra.
Assim, começaram a estabelecer um estilo mais simples, que chamaram monodia, por ter uma única linha vocal, sustentada por uma linha de baixo instrumental sobre a qual eram construídos os acordes. À princípio, a música escrita no estilo monódico foi chamada de La Nuove Musiche (A nova música).
Em 1597, essas novas idéias foram aplicadas a todo um drama musical. A obra “Dafne” que pode ser considerada de fato a primeira ópera. A música escrita por Jacopo Peri infelizmente se perdeu, e restaram dela apenas alguns fragmentos. Outras óperas foram aparecendo, e a idéia se tornou cada vez mais popular. As primeiras incluíam pequenos coros, danças e peças instrumentais, com uma tessitura simples, a cargo de uma pequena “orquestra”. Entretanto, os longos trechos de recitativos soavam monótonos.
O “Orfeo” de Monteverdi, composto em 1607, é de fato, a primeira grande ópera, com uma música que realmente acentua o impacto dramático da história. Usando intervalos cromáticos e espaçados na parte do canto, enquanto o acompanhamento fornece inesperadas harmonias, incluindo dissonâncias.
Mais tarde, no século XVII, os compositores continuaram a usar o recitativo, embora passem a utilizar com mais freqüência as árias. A orquestra também tinha suas peças para tocar durante a ópera. Também havia a presença de coros. Enquanto os recitativos tiravam o seu ritmo do discurso, as árias e coros freqüentemente usavam os da dança.
Na inglaterra, o gênero demorou a ser adotado. A única ópera inglesa do século XVII é “Dido e Enéias” de Henry Purcell.
Abertura ItalianaAbertura dividida em três partes: rápida-lenta-rápida
Abertura Francesa
Estilo usado por Lully e Rameau, compunha-se de um início lento e majestoso de ritmo incisivo e pontuado, levando a uma seção mais rápida, com o emprego da imitação. A isso, seguia-se uma ou mais danças (o ballet), ou talvez a repetição lenta da seção inicial.
A ária da capo
Presente na obra de Scarlatti, compunha-se de uma forma ternária (ABA), mas na qual não se escreviam as duas primeiras seções. Ao final de cada seção “B”, o compositor escrevia da capo (ou simplesmente “D.C”), significando “a partir do começo”. Na repetição da primeira parte, esperava-se que o cantor ou cantora desse sua contribuição pessoal, introduzindo ornamentos.
Oratório
Nascido mais ou menos a mesma época que a ópera, o oratório é outra importante forma de música vocal. O nome vem do Oratório de São Filipe de Néri, em Roma, onde foram apresentadas as primeiras composições desse tipo.
No início, os oratórios eram muito similares às óperas, compondo-se de recitativos, árias e coros. A diferença principal é que os oratórios baseavam-se em histórias sacras tiradas da Bíblia. Com o decorrer do tempo, os oratórios deixaram de ser representados teatralmente como as óperas e passaram a ser apenas apresentações musicais, preferencialmente realizadas em igrejas e salas de concerto.
Cantata
São obras para solistas e coro, acompanhados por orquestra e contínuo, lembrando um oratório em miniatura. Freqüentemente as cantatas de Bach começam com um coro pesado, prosseguem com recitativos, árias e duetos para solistas, e terminam com um coral sóbrio em estilo luterano.
Fuga
Toccata e Fuga  em Dminor, de autoria de  Bach, BWV 565Durante o período barroco, a música instrumental passa a ter, pela primeira vez, a mesma importância que a música vocal. Os compositores ainda usavam formas populares na Renascença como a canzona, o ricercar, a tocata, afantasia e as variações. A estas vieram somar outras formas e concepções novas como a fuga, o prelúdio coral, a suíte, a sonata e o concerto.
A fuga é uma peça contrapontística que se fundamenta essencialmente na técnica da imitação. Geralmente é escrita em três ou quatro partes, chamadas vozes (não importando se a peça é instrumental ou vocal). Estas são referidas como soprano, alto, tenor e baixo.
A estrutura da fuga é um tanto complexa, mas basicamente traz a seguinte idéia: toda a peça se desenvolve a partir de uma melodia razoavelmente curta, mas de acentuado caráter musical. A essa melodia se dá o nome de tema (no sentido de tema de discussão). Este aparece pela primeira vez em uma só voz. Depois é imitado pelas outras vozes, cada qual de uma vez e em sua altura adequada.
Durante toda a fuga, o tema aparece em novas tonalidades. Essas entradas são separadas por seções denominadas episódios. O compositor tanto pode fundamentar o episódio em uma idéia tirada do próprio tema, como valer-se de novos motivos musicais.
A palavra fuga dá idéia de vozes escapando ou se perseguindo, a cada vez que entram com o tema. Às vezes, um compositor pode escrever uma peça ao estilo de fuga sem contudo compor uma fuga completa.
Bach escreveu magníficas fugas para órgão, para cravo e clavicórdio.
Suíte
Os compositores da Renascença algumas vezes ligavam uma dança a outra (por exemplo, a pavana e a galharda). Os compositores barrocos ampliaram essa concepção, chegando a forma da suíte: um grupo de peças para um ou mais instrumentos. Houve muitas suítes escritas para cravo, e o esquema mais comum acabou abrangendo uma série de quatro danças de diferentes países: uma allemande, no compasso 4/4, em ritmo moderado; umacourante francesa, no compasso 6/4 ou 3/2, moderadamente rápida; ou uma couranteitaliana, em 3/4 ou 3/8, bem mais rápida; uma sarabanda espanhola, em vagaroso compasso ternário, quase sempre com os segundos tempos acentuados; uma alegre giga, geralmente em tempos compostos (6/8). Entretanto, antes ou depois da giga poderia introduzir-se uma ou mais danças, como o minueto, a bourrée, a gavota ou o passe-pied. E algumas vezes a suíte poderia começar com um prelúdio (ou peça de abertura).
Todas as peças da suíte possuem a mesma tonalidade e estão na forma binária: duas seções, “A” e “B”, normalmente repetindo-se. Entretanto, alguns compositores franceses, como Couperin, gostavam de incluir em suas suítes peças na forma rondó, em que um tema principal se alterna com episódios contrastantes (ABACA…).
A suíte às vezes é conhecida por outros nomes. Purcell chamava as suas de “lições”, Couperin de “ordem”, e Bach algumas vezes usou o termo “partita”.
Sonatas
A palavra sonata vem do latim sonare, que significa “soar”; por conseguinte, é uma peça para ser tocada (em oposição à cantata, música para ser cantada). Boa parcela das sonatas barrocas foi composta para dois violinos e contínuo (um violoncelo e um cravo por exemplo).
Os compositores às chamavam trio-sonatas; referindo-se às três linhas de música realmente impressas (os dois violinos e o baixo cifrado), embora de fato fossem necessários quatro executantes.
Às vezes um dos violinos, ou ambos, eram substituídos por flautas ou óboes, e há sonatas que foram escritas para um só instrumento melódico, ao lado de um contínuo.
A sonata barroca poderia ser de duas espécies: a sonata de câmara, destinada a pequenas salas, e a de chiesa (de igreja), na qual os instrumentos contínuos provavelmente eram o órgão e, talvez, o fagote.
Os dois tipos normalmente constituíam em quatro movimentos, quase sempre na mesma tonalidade, mas com andamentos contrastantes (lento-rápido-lento-rápido). Em geral, os movimentos tinham a forma binária. A sonata de câmara era praticamente uma suíte e, como tal, incluía danças. Já a de igreja tinha caráter mais sério, com os movimentos mais rápidos muitas vezes escritos em estilo de fuga.
Concerto Grosso
Apresentação do Concerto Uma das formas mais interessantes da música barroca é o concerto, palavra que tanto pode ter vindo do italiano no sentido de “consonância”, quanto do significado original latino que significa “disputa”. A idéia do concerto remonta a Renascença, sua semente está nas peças policorais escritas por compositores como Gabrielli. As idéias de oposição e contraste acentuado levaram à concepção do concertogrosso barroco. Neste, os compositores opunham dois grupos instrumentais: um pequeno grupo de solistas chamado concertino (em geral constituídos por dois violinos e um violoncelo), contra uma orquestra de cordas conhecida por ripieno (pleno) ou tutti (todos os instrumentos juntos).
O cravo ou órgão contínuo era, também, usado para enriquecer a tessitura do ripieno, além de fornecer as harmonias de apoio para os instrumentos do concertino quando estes executavam as suas partes.

Concerto solo
Do concerto grosso nasceu o concerto solo, no qual um único instrumento é lançado contra a massa de uma orquestra de cordas.
Essa idéia de oposição, com o decorrer dos anos, fortaleceu-se ainda mais, e o compositor freqüentemente fornecia ao solista algumas passagens difíceis e expressivas. Quase sempre os concertos solo eram compostos de três movimentos (rápido-lento-rápido). Os dois movimentos rápidos apresentam-se na forma ritornello. Essa palavra quer dizer retorno e, no caso refere-se ao tema principal, que era tocado pela orquestra no princípio do movimento, voltando depois mais ou menos completo, após as partes de solo, tocadas com pequeno apoio orquestral.
Os compositores marcavam as seções de ritornello com a palavra tutti (todos), de modo que o esquema básico na forma de ritornello seria: tutti1-solo1-tutti2-solo2-tutti3-solo3.

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